Lembrando Robert Louis Stevenson nos Mares do Sul

Waldir Freitas Oliveira


Stevenson e a esposa, por John Singer Sargent


RESUMO
O autor procura dar relevo especial ao período da vida de Robert Louis Stevenson, durante o qual ele viveu, em companhia de sua esposa, Fanny Stevenson, em constantes viagens pelos mares do Sul, que foram capazes de fazer com que ele pudesse ver o mundo através de uma nova visão e compreensão. Havendo R. L. Stevenson se deixado encantar, a tal ponto, com o novo mundo por ele descoberto, que tomou a decisão de residir em Samoa, pelo resto de sua vida.

ABSTRACT
The author in his article, distinguish the R. L. Stevenson´s time of life in the South Seas, with his frequent voyages around its islands, in the company of Fanny Stevenson, your wife. He accentues that these voyages gave him the opportunity to see the world and its inhabitants under a new sight and a new understanding, and, perhaps, by reason of it, he has decided to live, for the last years of his life, in Samoa. .


Há 120 anos, a 28 de junho de 1888, partiu de San Francisco, na Califórnia, rumo às ilhas Marquesas, a escuna “Casco”, na qual seguiam Robert Louis Stevenson e seus familiares, para as ilhas dos então chamados “mares do Sul”. Conseguira que jornais e revistas da época, patrocinassem, em parte, essa sua viagem, em troca de artigos que lhes mandaria o escritor para serem por eles publicados.

Já era, aos 38 anos, um romancista consagrado. Nascido em Edinburgh, na Escócia, em novembro de 1850, publicara vários romances e novelas de grande aceitação. O primeiro deles foi A Ilha do Tesouro (Treasure Island), publicado em 1883, ao qual se seguiram, em 1886, O Médico e o Monstro ( The Strange Case of Dr. Jekyll and Mr. Hyde) e Raptado (Kidnapped), todos eles havendo sido bem recebidos pelo público e pelos críticos literários.

A busca por ilhas distantes, habitadas por nativos que então assumiam o papel dos “bons selvagens” idealizados por Rousseau, vivendo de modo diverso daquele como viviam os “civilizados”, mais próximos da natureza, menos contaminados pelos progressos que cada vez mais enfastiavam os ocidentais, ao lado da atração pelo exótico, pelo que ainda era desconhecido, exaltava a imaginação de muitos que acreditavam poder encontrar um outro mundo, um tipo especial de paraíso terrestre, talvez existente em alguma das numerosas ilhas perdidas no oceano Pacífico.

As descrições das grandes viagens científicas ao redor do mundo, efetuadas em começos do século XIX, haviam provocado, através da leitura dos seus relatos, o desejo de conhecer os lugares dos quais falaram, onde seus habitantes viviam livres de convenções e mais de acordo com os próprios instintos que com os preceitos da razão. Encontrá-los tornou-se, então, quase uma obsessão. E entre os que se sentiram por ela dominados, esteve Robert Louis Stevenson.


Considerado por muitos, um “romancista do mar”, figurando ao lado de Herman Melville, que o antecedeu no tempo, e de Joseph Conrad, Somerset Maughan e Jack London, que a ele se seguiram, a realização das suas sonhadas viagens marítimas, somente veio, contudo, a ocorrer em fins do século XIX, sob a alegação de os ares do oceano virem ajudá-lo a vencer os efeitos de uma doença crônica, que havia muito o atormentava; atacando-lhe os brônquios, mas que nunca o impedira de um viajar constante, principalmente sobre terras da Europa; onde já realizara duas viagens, de certo modo estranhas, a primeira, navegando em canoa, de Amsterdam, na Holanda, a Grez, na França, seguindo os cursos dos rios e canais da região, a segunda, montado num burro, percorrendo as montanhas de Cevennes.

Descreveu-as em dois livros publicados, respectivamente, em 1878 e 1879, sob os títulos de An Inland Voyage e Travels with a Donkey, quando ainda não se deixara influenciar pela procura do exótico no Pacífico, nem rejeitara, por completo, o modo de ser e proceder das sociedades civilizadas; o que somente iria acontecer ao pôr-se em contacto com as ilhas dos mares do Sul, pelas quais se apaixonou, ao ponto de haver tomado a decisão de ir residir numa delas, a de Upolu, no arquipélago de Samoa, onde veio a falecer, a 3 de dezembro de 1894.

Durante o tempo em que nelas viveu, publicou, tomando-as por tema e cenário, um livro de memórias, no qual relatou suas viagens pelas ilhas dos mares do Sul e vários contos, esses depois reunidos em livros que receberam títulos diversos, em vários países.

In the South Seas é uma espécie de autobiografia, somente tendo sido publicado dois anos depois da sua morte; dele existindo uma única tradução para o português, publicada no Brasil, em 1992, pela editora Iluminuras, sob o título Nos mares do Sul. Autobiografia de um viajante. Infelizmente, contudo, esse seu texto abrange somente a época decorrida entre sua partida de San Francisco, em 1888, e a o seu regresso a Samoa, partindo das ilhas Gilbert, em 1889...

Quanto aos seus contos inspirados pelas ilhas do Pacíifico, dentre os quais os mais famosos são "The Bottle IMP" (1891), "The Isle of Voices", "The Ebb-Tide" (1893) (este escrito em colaboração com Lloyd Osbourne, filho de Fanny Stevenson e, portanto, seu enteado) e "The Beach of Falesa" (1894), foram publicados, inicialmente, em revistas de Samoa; havendo sido depois reunidos em várias edições surgidas tanto na Europa como nos Estados Unidos; delas havendo sido, provavelmente a mais antiga, a que recebeu o título de Island Night´s Entertainment (1893); e uma das mais recentes, South Sea Tales (Oxford University Press, 1996), esta sendo mais ampla que as demais, por nela figurarem, além dos quatro contos acima referidos, duas pequenas estórias – “ The Cart-Horses and the Saddle Horse” e “Something in it.”. Deles havendo sido traduzido e publicado no Brasil, mesmo sem grandes méritos, “The Beach of Falesa”, sob o título A praia selvagem (São Paulo: Clube do Livro, 1973).

Voltando a rever a partida, em 1888, da escuna “Casco”, de San Francisco, no rumo das ilhas do Pacífico, esclarecemos nele haverem seguido Robert Louis Stevenson, sua esposa, Fanny, seu enteado Lloyd e Margaret (Maggie), sua mãe, que enviuvara no ano anterior.

A 28 de julho chegou a “Casco” à ilha de Nuku-hiva, integrante do arquipélago das Marquesas, onde vivera, por algum tempo, entre seus nativos, Herman Melville, havendo sido por ele descrita em seu romance Typeee. Dali havendo partido os Stevenson para as então chamadas “Ilhas da Sociedade”, depois denominadas do “Taiti”, onde permaneceram por cerca de um mês, em Papeete, na ilha de Hiva-oa, a cidade principal daquele arquipélago, de onde seguiram para o Havaí, onde chegaram em começos de 1889, a Honolulu, cidade, àquela época, com 20.000 habitantes, e já dispondo de iluminação elétrica em suas ruas e serviços de telefonia, que nela foram instalados um ano antes de sua chegada.

Ali estiveram em Waikiki, nas proximidades de Honolulu, durante seis meses, e graças aos conhecimentos na sociedade local, que possuía Isabelle Strong (Belle), filha, igualmente, de Fanny, que lá vivia, havia alguns anos, casada com um artista, Joe Strong, conseguiu Robert Louis Stevenson aproximar-se do rei local, David Kalakaua, dele se havendo tornado um grande amigo; valendo o registro de haver ele lhe revelado já haver lido dois dos seus romances – A Ilha do Tesouro e O Médico e o Monstro. Em maio daquele mesmo ano, retornaria, contudo, Margaret Stevenson, à Inglaterra, por haver recebido a noticia de ali haver adoecido uma de suas irmãs.

Logo a seguir, a 24 de junho, partiu Robert Louis Stevenson para as ilhas Gilbert, a bordo da escuna “Equator”, acompanhado por Fanny e Lloyd, havendo ali permanecido, inicialmente na de Baturitari, e a seguir, na de Abemama, à espera do retorno do navio, previsto para três semanas, e que prosseguira, em seu curso, rumando para Sidney, na Austrália; nele havendo reembarcado, quando do seu regresso a Abemama, indo, numa viagem que durou 26 dias, de volta à ilha de Upolu, em Samoa, ali tendo chegado a 7 de dezembro daquele ano. Àquela altura, Robert Louis Stevenson e Fanny já haviam tomado a decisão de passarem a residir para sempre, numa das ilhas do Pacífico.

Compraram, então, na ilha de Apia, em Samoa, por US$4.000, 400 acres de terra, uma área equivalente a 1.600 km2, na qual existia uma colina situada frente ao mar, nela tendo eles ordenado que fosse iniciada a construção de sua habitação definitiva, que denominaram Vailima (“Cinco Águas”), nome que se relacionava a cinco pequenos rios que corriam em suas proximidades. E enquanto eles aguardavam a conclusão das obras de sua construção, por ainda lhes faltarem condições razoáveis de conforto para ali permanecer, tomaram a decisão, em fevereiro de 1890, de viajar até a Austrália, a bordo do “S.S.Lübeck”, seguindo para Sidney, onde permaneceram alguns meses, tendo por companhia, Belle, a filha de Fanny, que ali passara a residir com o marido e um filho. De tal modo, contudo, agravou-se o estado de saúde de Robert Louis Stevenson, que os médicos que então o atenderam, lhe recomendaram, como único remédio para os seus males, continuar viajando por aquelas ilhas.

Seguiram, nessa ocasião, de Sidney para Auckland, na Nova Zelândia, de onde retornaram a Samoa. E como lá não se haviam ainda concluídos os trabalhos de construção de Vailima, decidiram prosseguir sua viagem, indo conhecer outras ilhas do Pacífico. Havendo sido posteriormente publicado o relato dessa viagem, realizada a bordo do cargueiro “Janet Nichol”, não escrito, dessa vez, por Robert Louis Stevenson, mas por sua esposa, Fanny Stevenson, sob forma de um “Diário” , com o título The Cruise of the Janet Nichol among the South Sea Islands: a Diary (New York: Charles Scribner´s Sons, 1914).

De Apia, onde chegaram em abril daquele ano, partiram, então, para ir conhecer as ilhas Cook, as Tokelau, então chamadas “Line Islands”, por estarem situadas, a leste, nas proximidades da “Linha Internacional da Data”, ou seja, do meridiano dos 180º, e a seguir, as ilhas Ellices, onde antes já haviam estado, as ilhas Gilbert; e, finalmente, as ilhas Marshall, delas havendo partido, na direção da Austrália, passando pela ilha da Nova Caledônia, onde, em Noumea, sua principal cidade, permaneceu Robert Louis Stevenson, enquanto prosseguiram Fanny e Lloyd a viagem até Sidney, a fim de visitar Belle, que ali continuava a residir, e onde foi Robert Louis Setevenson, depois, encontrá-los.

Quanto a Lloyd, partiu, nessa ocasião, para a Inglaterra, a fim de vender a propriedade que sua mãe ainda ali possuía; havendo acompanhado em sua viagem de regresso às ilhas do Pacífico, Margaret Stevenson, que decidira retornar a Samoa, para passar a morar, de modo definitivo, em companhia do seu filho.

Seguiram, afinal, Robert Louis Stevenson, Fanny e Lloyd, de Sidney para Apia, a bordo do navio alemão “Lübeck”, havendo, contudo, permanecido Margaret Stevenson (Maggie), em Auckland, onde chegara, vindo da Inglaterra, tendo ido ali buscá-la Robert Louis Stevenson, em 1893, a fim de levá-la para Samoa, logo após haverem sido concluídas as obras de construção de Vailima.

Não foram, contudo, felizes, os últimos anos de vida de Robert Lewis Stevenson, em sua “ilha encantada”, na casa que nela construíra. Seu relacionamento com sua esposa Fanny, foi se tornando cada vez mais difícil, em razão de achar-se ela imersa em um profundo estado de depressão. Havendo ele encontrado, nessa época, apoio para o seu trabalho, somente em sua enteada Belle, que se transformara em sua secretária, redigindo o que ele lhe ditava, cuidando da sua correspondência, e relendo os capítulos do romance que estava a escrever – Weir of Hermiston, que somente veio a ser publicado em 1896, após a sua morte, ocorrida a 3 de dezembro de 1894, vitimado por um derrame cerebral; tendo sido sepultado, como foi seu desejo, em Mount Vaea, nas proximidades de Vailima.

Três anos depois, por iniciativa, provavelmente, de sua mãe, foi acrescentado ao seu túmulo, um plinto de forma quadrangular, no qual foram afixadas duas placas de bronze. Em uma delas foram inscritas, no dialeto de Samoa, as seguintes palavras: “O Túmulo de Tusitala” (nome que lhe haviam dado os nativos da ilha, termo que significava “contador de estórias”), acompanhadas por um trecho do Livro de Ruth:

“O teu povo será o meu povo e o teu Deus, o meu Deus. A terra em que tu morreres, nessa eu morrerei.”

Em outra de suas faces havendo sido gravado o seu poema “Requiem”, por ele composto, talvez em fins de 1883 ou começos de 1884, quando viveu, por algum tempo, em Hyères, na costa do Mediterrâneo, nas proximidades de Toulon, na França, numa casa de repouso, por ele escolhido para que viesse a servir, um dia, como seu epitáfio. Estes sendo os versos: desse seu poema, em seu texto original e em tradução livre por nós efetuada:

Under the wide and starry sky,
Dig the grave and let me lie.
Glad did I live and glady die,
And I laid me down with a will.

This be the verse you grave for me;
Here he lies where he longed to be.
Home is the sailor, home from sea.
And the hunter home from the hill.

(Sob um imenso céu povoado de estrelas,
escavarás a minha sepultura; nela
depositarás meu corpo – o de alguém que da vida
feliz que viveu, levou somente um desejo: –

nela gravarás os versos que ora escrevo
– Aqui jaz, onde sempre desejou estar:
frente ao mar azul, no lar dos marinheiros,
no lar dos caçadores, no alto da colina.)

Após um longo tempo de olvido, durante o qual, de modo injusto, deixaram de ser reconhecidos seus méritos de escritor, não havendo mesmo sido o seu nome incluído nos mais famosos dicionários de escritores em língua inglesa publicados na primeira metade do século XX, voltou, no entanto, Robert Louis Stevenson, em nossos dias, a ser considerado um dos grandes nomes da literatura inglesa e universal, em merecido resgate de sua memória e da importância de sua obra.


BIBLIOGRAFIA

CALLOW, Philip. Louis: A Life of Robert Louis Stevenson. Chicago: Ivan R. Dee, 2001
CLUNAS, Alex. “R. L. Stevenson: precursor of the post-moderns?”. A discussion on Stevenson´s novels in Cencrastus: Scottish & International Literature, Arts and Affairs. No. 6 ( Aut, 1981). Edinburgh, 1981.
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JONES Jr., William B. (edit). Robert Louis Stevenson Reconsidered. New Critical Perspectives. Jefferson, North Caroline: Mc Farland & Company, Inc. , Publishers, 2003.
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STEVENSON, Robert Louis. South Sea Tales. Oxford Introduction and Notes by Roslyn Jolly. Oxford University Press,1999.
STEVENSON, Robert Louis. Nos Mares do Sul. Autobiografia de um viajante. Tradução de Heloísa Prieto. São Paulo: Iluminuras, 1992.

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Waldir Freitas Oliveira é escritor e historiador. Membro da Academia de Letras da Bahia. Professor da Universidade Federal da Bahia, publicou diversos livros e artigos. Pertence a uma bem formada geração de velhos mestres, capazes de abordar com propriedade uma considerável gama de temas.