Sérgio Buarque de Holanda: a Literatura Colonial

Cid Seixas



RESUMO
Os oito estudos inéditos de Sérgio Buarque de Holanda, sobre a Literatura Brasileira da fase colonial, reunidos por Antônio Cândido, iluminam desde as epopéias sacras, que constituíram as primeiras manifestações literárias da antiga colônia, até a dicção exemplar do padre Antônio Vieira e a pretensa simplicidade do texto buscada pelos escritores árcades.
Palavras-chave: Literatura colonial; Brasil; Sérgio Buarque de Holanda

ABSTRACT
The eight unpublished studies of Sérgio Buarque de Holanda, about the Brazilian Literature of the colonial period, organized by Antonio Candido are able to enlighten the reader from the sacred epics that constituted the first literary manifestations of the former colony, to the exemplary diction of Father Antonio Vieira and the assumed simplicity of the text sought by Arcadian writers.
Keywords: Colonial literature; Brazil; Sérgio Buarque de Holanda

Os estudos sobre a Literatura Brasileira na fase colonial deixados por Sérgio Buarque de Holanda e ordenados para publicação por Antônio Cândido* constituem um conjunto de textos inéditos de natureza heterogênea. Tratando-se de material em estado de elaboração, com algumas páginas manuscritas e outras datilografadas e retrabalhadas para publicação, ressente-se, portanto, dessa diversidade.

Apesar disso, a agudeza crítica do autor e a cuidadosa investigação, empreendida durante anos, fazem do material reunido em livro o mais valioso conjunto de estudos sobre o tema, conhecido nos últimos anos. É surpreendente o fato de Sérgio Buarque de Holanda, cujo trabalho de historiador é por todos reconhecido, ter-nos deixado, com este livro fragmentário, uma contribuição das mais ricas e originais não à história da literatura, mas à critíca literária.

Não são os fatos históricos e os elementos culturais extra-literários que constituem, através da sua articulação e da sua interpretação, a excelência do trabalho de Sérgio. É o enfrentamento do texto dos autores estudados e o profundo conhecimento da mais sólida tradição literária ocidental que permitem ao historiador se afirmar postumamente como um arguto analista do discurso.

Somente um leitor atento e altamente privilegiado como Sérgio Buarque de Holanda pode identificar com segurança as passagens mais sutis do diálogo latente dos nossos escritores do período colonial com autores seiscentistas mananciais. A intertextualidade do discurso literário do Brasil colônia é vista por alguém que conhece em profundidade as fontes deste discurso.

Antônio Cândido, na introdução do volume, considera com entusiasmo o lugar desde já reservado a este livro póstumo de Sérgio Buarque de Holanda, Capítulos da literatura colonial. Para ele, as análises e observações aí contidas são “as mais sólidas e brilhantes, as mais eruditas e imaginosas jamais feitas no Brasil sobre o assunto.”

Os oito estudos aí reunidos iluminam desde as epopéias sacras, que constituíram as primeiras manifestações literárias da antiga colônia, até a dicção exemplar do padre Antônio Vieira e a pretensa simplicidade do texto buscada pelos árcades. Se o foco da obra recobre o ideal heróico, o mito americano, o arcadismo e especialmente a vida e a produção de Cláudio Manuel da Costa, o painel da literatura colonial brasileira não se completa, pela ausência de autores e tendências quantitativamente significativos. Mas o intento do autor pode não ter sido o de contemplar um panorama, mas o de construir um painel representativo. No sentido de marcar a natureza lacunar do conjunto de estudos, o título atribuído pelo organizador do volume é perfeito, já que autores como Gregório de Matos, para citar apenas um exemplo maior, aparece apenas na pequena apresentação panorâmica da literatura colonial (p. 410).

O estudo singularmente intitulado “Cláudio Manuel da Costa”, além de conter propostas surpreendentes sobre o poeta mineiro e o arcadismo, privilegia o autor estudado, numa evidência da natureza incompleta ou seletiva do painel traçado. Quase duzentas páginas do livro (com quatrocentas e sessenta e cinco) são ocupadas por este capítulo. Aí, especialmente a partir da p. 278, Sérgio discute um dos traços centrais da Literatura Brasileira no período colonial: a presença do barroco.

Os seiscentistas espanhóis, Quevedo, Gôngora e outros autores menos conhecidos fornecem diretamente, ou através da leitura de autores portugueses como Sá de Miranda e Diogo Bernardes, sem esquecer de Camões, substância e forma decisivas na constituição do pensamento poético de Cláudio Manuel da Costa. A tensão entre a vanitas e a constantia, lembra Sérgio Buarque de Hollanda, preside a sensibilidade mais característica da era barroca, marcada pela tentativa de reunificação dos princípios contrários.

Outro traço que autoriza ao autor dos Capítulos de Literatura Colonial a aproximação entre a poesia de Cláudio Manuel da Costa e a dos seiscentistas é o predomínio das fábulas de metamorfose, onde prevalecem a “mutabilidade das coisas terrenas” e a “vitória da magia sobre a lei e a norma”.

Curiosamente, convém acrescentar, é sem dúvida no Brasil colônia que o barroco vai encontrar espaço na literatura escrita em língua portuguesa. Não por acaso, o primeiro poeta brasileiro, Gregório de Matos, é um escritor barroco. A mesma Cidade da Bahia de Gregório é responsável pela formação intelectual e religiosa do maior estilista barroco nascido em Portugal, o padre Antônio Vieira. Como são igualmente marcados pelo barroco os árcades mineiros e toda uma tradição de academias que vai até o início do século XIX.

Por tudo que nos permite compreender e refletir, o livro de Sérgio Buarque de Holanda inscreve-se como texto de consulta obrigatória tanto para o estudioso da Literatura Brasileira, através das suas vertentes de formação, quanto para qualquer estudioso das literaturas ibéricas no período de expansão e colonização.

* Sérgio Buarque de Holanda: Capítulos de Literatura Colonial. Organização e Introdução de Antônio Cândido. São Paulo, Brasiliense, 1992, 465 p.

Na foto, o historiador Sérgio Buarque de Holanda com o filho, compositor e escritor, Chico Buarque, ainda nos anos setenta.

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