Eurico Alves / Manuel Bandeira

O diálogo poético entre Eurico Alves
e Manuel Bandeira, citado do artigo
"Modernismo e tradicionismo", de Cid Seixas,
é aqui retomado através dos poemas
convite e resposta, o primeiro intilulado
"Elegia a Manuel Bandeira"
e o segundo, adequadamente chamado de "Escusa", no qual Bandeira declina do chamado para ir a Feira de Santana
viver a vida na vaquejada.


ELEGIA PARA MANUEL BANDEIRA
Eurico Alves

Estou tão longe da terra e tão perto do céu,
quando venho subir esta serra tão alta...

Serra de José das Itapororocas,
afogada no céu, quando a noite se despe
e crucificada no sol se o dia gargalha.
Estou no recanto da terra onde as mãos de mil virgens
tecem o céu de corolas para meu acalanto.
Perdi completamente a melancolia da cidade
e não tenho tristeza nos olhos
e espalho vibrações da minha força na paisagem.

Os bois escavam o chão para sentir o aroma da terra,
e é como se arranhassem um seio verde, moreno.

Manuel Bandeira, a subida da serra é um plágio da
------ ---------- ------------- ----------- ---------[vida.
Poeta, me dê esta mão tão magra acostumada a bater
------------- ----- --------- --------- ---------[nas teclas
da desumanizada máquina fria
e venha ver a vida da paisagem
onde o sol faz cócegas nos pulmões que passam
e enche a alma de gritos da madrugada.
Não desprezo os montes escalvados
tal o meu romântico homônimo de Guerra Junqueiro.
Bebo leite aromático do candeial em flor
e sorvo a volúpia da manhã na cavalgada.
Visto os couros do vaqueiro
e na corrida do cavalo sinto o chão pequeno para a
--------------------------------------------- [galopada.

Aqui come-se carne cheia de sangue, cheirando a sol.

Que poeta nada! Sou vaqueiro.
Manuel Bandeira, todo tabaréu traz a manhã nascendo nos olhos
e sabe de um grito atemorizar o sol.

Feira de Santana! Alegria!

Alegria nas estradas, que são convites para a vida na
----------------------------------------------[vaquejada,
alegria nos currais de cheiro sadio,
alegria masculina nas vaquejadas, que levam para a
---------------------------------------------------- [vida
e arrastam também para a morte!

Alegria de ser bruto e ter terra nas mãos selvagens!

Que lindo poema cor de mel esta alvorada!

A manhã veio deitar-se sobre o sempre verde.

Manuel Bandeira, dê um pulo a Feira de Santana
e venha comer pirão com carne assada de volta do
------------------------------------------------ [curral
e venha sentir o perfume de eternidade que há nestas
------------------------------------------- [casas de fazenda,
nestes solares que os séculos escondem nos cabelos
------------------------------------ [desnatrados das noites
eternas venha ver como o céu aqui é céu de verdade
e o tabaréu como até se parece com Nosso Senhor.

Eurico Alves e Hélio Simões, poetas da revista Arco & Flexa

E S C U S A

Manuel Bandeira



Eurico Alves, poeta baiano,
Salpicado de orvalho, leite cru e tenro cocô de cabrito,
Sinto muito, mas não posso ir a Feira de Sant’Ana.

Sou poeta da cidade.
Meus pulmões viraram máquinas inumanas e
---------------------[aprenderam a respirar o gás
---------------------[carbônico das salas de cinema.
Como o pão que o diabo amassou.
Bebo leite de lata.
Falo com A., que é ladrão.
Aperto a mão de B., que é assassino.
Há anos que não vejo romper o sol, que não lavo os
-----------------------[olhos nas cores das madrugadas.

Eurico Alves, poeta baiano,
Não sou mais digno de respirar o ar puro dos currais
-----------------------------------------------------[da roça.

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