Juraci Dórea
SUMÁRIO
O pintor, escultor, poeta e ensaísta Juraci Dórea tem uma parte da sua obra apresentada através de imagens, além de opiniões de críticos e criadores.
Palavras chave: pintura; Juraci Dórea; painel crítico
SUMMARY
The painter, sculptor, poet and essayist Juraci Dórea has a part of his work presented through images, and reviews from critics and creators.
Keywords: painting; Juraci Dorea; critical perspective
Este conjunto de obras e textos dá uma mostra da série intitulada Cenas Brasileiras, do pintor Juraci Dórea. Constituída por quadros trabalhados em acrílica sobre tela, representa a vertente atual da obra do artista.
Além de pintor, Juraci Dórea é poeta e ensaista, com estudos sobre a obra de Eurico Alves. É co-editor de Légua & meia: Revista de literatura e diversidade cultural.
Arquiteto formado pela UFBa. é Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Literatura e Diversidade Cultural e professor da área de artes da Universidade Estadual de Feira de Santana.
A AUTENTICIDADE DE JURACI DÓREA
Matilde Matos
Poucos artistas projetam na arte a realidade do meio em que vivem com a convicção de Juraci Dórea. O trabalho deste artista de Feira de Santana está tão ligado à natureza e à cultura do seu sertão quanto os arreios, os ferros, a carne de sol, o canto da ‘fôgo-pagô’, o rangido do carro de bois.
JD não copia em paisagens o semi-árido, apenas se expressa na arte na mesma linguagem simples e direta que o sertão impõe, sem a necessidade de recorrer a rebuscamentos ou metáforas, e sem jamais tergiversar no fazer o que vive e aprendeu a amar desde seus primeiros passos na vida e na arte. Essa inteireza se reflete na representação visual que define o estilo do artista.
Envolvente e afinada ao nosso tempo, a arte brasileira de Juraci Dórea desperta o mesmo interesse por onde passa. Seja Cocorobó ou Curitiba, em famosas galerias do eixo-Sul e Europa ou nos pavilhões das bienais de S.Paulo, Havana e Veneza, sua arte ressoa.
A autenticidade do sentimento do artista ao desenvolver sua arte, motivada na cultura do sertão, lhe assegurou o reconhecimento internacional.
(2007, da ABCA e AICA)
Juarez Paraíso escreve:
O universo plástico de Juraci Dórea resulta do seu excepcional talento para a criação de imagens visuais comprometidas com elementos indispensáveis à linguagem artística contemporânea, como identidade regional e universalidade perceptiva, autenticidade temática e domínio da sintaxe plástica, gráfica, pictórica e escultórica. Espontâneas, mas bem articuladas, são imagens que se harmonizam e se integram num só corpo e espírito, compondo e urdindo estórias através de conjunto de interminável mosaico. Na obra artística de Juraci Dórea predomina o fascínio da simplicidade com que reinventa e engendra toda uma narrativa de imagens visuais, à semelhança da magia e agilidade dos bilros das fazedoras de rendas do Nordeste e da agilidade mental e poética dos cantadores. A força expressiva do seu design gráfico e pictórico reside mesmo na economia dos recursos técnicos, com suas imagens focadas no espaço bidimensional, recortados pelo contraste de preto e branco, ou de cores puras e francas, em ritmo seqüencial, linear ou sinuoso.
Juarez Marialva Tito Martins Paraíso
Artista Plástico e Professor (UFBA e ABCA)
Rubens Alves Pereira opina:
A obra de Juraci Dórea abre-se como um estandarte sobre a vida sertaneja. Nela, viceja o espírito de um povo simples e humilde do Sertão, elevam-se grandes referenciais da cultura popular. Sobretudo, uma obra que se plasma nos largos gestos da arte contemporânea em que o artista se insere, enriquecendo-a com suas peculiaridades. Poeta do cotidiano sertanejo, e atento aos sonhos, crenças e mistérios que tecem o Sertão, Juraci Dórea encena a multiplicidade, na qual afloram sua variedade de temas e gentes, de gestos e atos, de falas, texturas, bichos e astros. Performa, ainda, um universo de singularidades, lavrando em cada coisa uma densa temporalidade e uma aura mítica. A obra de Juraci Dórea é diversa em suas formas e efeitos. Visceralmente documental, espraia-se, contudo, no vasto território dos símbolos. Potencializa-se em gestos ancestrais, dobra-se em forças líricas. Sertão. O que seria apenas fluxo do tempo, peripécias corriqueiras da vida, ganha aura poética ou mesmo profética, ganha corpo perene nos gestos performáticos que captam o exercício humano de viver, de conviver – Amar, Lutar, Labutar, Sonhar, Prosear, Criar...
MOLDURAS DE LUZ
Antonio Brasileiro
Seres humanos ocupam o espaço central, superpõem-se ao pano de fundo dos objetos. O homem no seu mundo, é bem possível: mas igualmente o homem com o seu semelhante. Vez por outra, quase como leve sugestão, ele consigo mesmo.
Os motivos, esboçados com rapidez, às vezes com brusquidão, parecem contrastar com a severidade da moldura de luzes coloridas. E essas molduras, pintadas no próprio quadro, são também o quadro; se, por um lado, estão ali apenas como efeito visual, ali também podem estar com seu significado mais velado: um querer libertar-se, um querer conter-se. Em nenhum momento essa moldura é rompida. Os próprios personagens, ora ternos, ora tensos, mantêm-se alheios ao que os cercam, sejam os objetos do seu mundo doméstico, seja o próprio limite desse mundo, representado pela moldura de luzes; buscam muito mais a aproximação um do outro, talvez mesmo (empreguemos esta palavra, sempre inesgotável) a compreensão. O amor, concluiríamos, vez que se trata sempre de personagens de sexos opostos. Esta tensão entre a fragilidade, a transitoriedade mesmo, das ações humanas e a severidade, a delimitação, embora colorida, de todas as nossas ações, nossos gestos, nossos sonhos.
Estamos aqui, circunscritos. Somos, em última instância, um e outro.
E não parecemos estar nos entendendo. Vez por outra um terceiro personagem insere-se no drama, que tende a adquirir uma nova conformação. Os gestos se sucedem, com pequenas variações. São sempre pequenas mesmo as variações. A tríade se sustentaria melhor em suas bases? No fundo, isso não tem importância, é tudo transitório: ali estão as margens.
Pintadas no próprio quadro, as molduras de luzes coloridas parecem onipresentes. Impossível esquecê-las. Que sirvam meramente de fundo as garrafas perfiladas, um fifo aceso, estatuetas de barro, estandartes, caveiras de boi, estrelas do norte – é impossível esquecer as molduras de luzes. Estamos aqui – diz-nos o artista – e, entretanto, o mundo jaz lá fora. Aqui, somos dionisíacos; mas a razão nos observa. Eia, irmão, para que serve então a droga da arte?
Eis o tônus do atual trabalho de Juraci Dórea. A arte, haveremos de dizer algum dia, é o mais translúcido meio para se atingir uma libertação.
O discurso de Juraci Dórea é grandiloqüente e cheio de surpresas. O que faz dele um cronista do sertão e da brasilidade é o seu vivenciamento dentro do seu tema. Criatura e criador se fundem nos confins do sertão agreste. Seu objetivo é triplo: a imperiosidade de registrar o real dentro da sua contemporaneidade, viver o seu tema e criar o belo e o coloquial. Aí surge a nossa reflexão do que caracteriza sua pintura no oculto dialogar das suas figuras. Este é o seu mistério, mistério que desenvolveu criando indagações, pintando e construindo “esculturas símbolos” nas cercanias de pequenos povoados sertanejos dando assim a razão da sua arte. Tudo isto surge dentro da sua identidade geográfica e não na frieza dos estúdios urbanos, recriando valores populares, onde o espaço é mais primordial do que o tempo. A atmosfera conseqüente das suas experiências nas cores e na técnica apurada é que o faz um dos mais importantes artistas brasileiros do momento. E a sua história continua a ser contada indefinidamente resultante do seu grande talento e capacidade de trabalho.
Calasans Neto
Aleilton Fonseca
O sertão está em toda parte; não é apenas um lugar geográfico, mas um modo de ser e estar no mundo. O sertão da arte é diverso e semelhante: seja na escrita íngreme de Guimarães Rosa, seja no desenho agreste de Juraci Dórea. Cada qual no seu tempo e lugar, o escritor mineiro e o artista plástico baiano embrenharam-se pelas trilhas, estradas, fazendas e paisagens sertanejas para captar os traços vivos de sua gente e de sua cultura, revelando um imaginário rico em significados e vivências profundamente humanas e verdadeiras.
Juraci Dórea não apenas recompõe o sertão nos traços vigorosos de sua pintura, mas recria as suas imagens, numa perspectiva estética popular. Complexas em sua simplicidade, suas personagens estão sempre em movimento, envoltas pelos detalhes do cenário, composto por objetos, fauna, flora, gestos, expressões, imaginário – jeitos de ser e de fazer o sertão cotidiano.
Assim como Guimarães Rosa, que em sua escrita demonstrava um amor visceral pelos seus personagens, Juraci Dórea deixa transparecer em sua arte uma profunda identificação com a gente, o imaginário e a terra sertaneja. Mais do que escrever uma história, o escritor mineiro recria um universo memorável, mítico e emblemático. Mais do que pintar um quadro, o artista baiano recompõe um cenário dinâmico, autêntico e carismático. Ambos sertanejos, seu texto e sua arte encontram-se nas fronteiras comuns de dois sertões, o mineiro e o baiano, que se justapõem e se fundem, com seus traços semelhantes e suas feições específicas.
Eis aí: o sertão, os sertões; de Juraci a Guimarães. E vice-versa. Mire e veja. Leia e contemple. Do olhar para a escrita, da pintura para o olhar: um vasto corpo de palavras no papel e de traços na tela; expressão de um povo, alma de uma cultura, sopro de poesia universal.
CURRICULUM VITAE
JURACI DÓREA – Nasceu em Feira de Santana, Bahia, em 15 de outubro de 1944. É arquiteto diplomado pela Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia. Dedica-se às artes plásticas desde o começo dos anos 60.
Sua obra tem fortes ligações com o sertão e, mais especificamente, reflete aspectos da civilização do couro, cujos vestígios ainda estão presentes na região de Feira de Santana, onde artista reside.
Participou de numerosas exposições, dentre as quais: 1978 – 1º Salão Nacional de Artes Plásticas, Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro. 1979 – Mostra de Escultura Lúdica, MASP, São Paulo. 1980 – 37º Salão Paranaense, Sala de Exposições do Teatro Guaíra, Curitiba, PR. 1982 – IV Salão Nacional de Artes Plásticas, MAM, Rio de Janeiro. 1983 - XXXVI Salão de Artes Plásticas de Pernambuco, Recife, PE (prêmio aquisição); Artistas Contemporâneos da Bahia, MAC, São Paulo, SP. 1984 – 16º Salão Nacional de Arte, Museu de Arte de Belo Horizonte, MG; IV Salão Brasileiro de Arte, Fundação Mokiti Okada, São Paulo, SP (prêmio aquisição). 1985 –III Salão Paulista de Arte Contemporânea, Pavilhão da Bienal de São Paulo, São Paulo. 1986 – 1ª Exposição Internacional de Esculturas Efêmeras, Fortaleza, Ceará; V Salão Arte Pará, Belém, PA (prêmio). 1987 – 19ª Bienal Internacional de São Paulo, São Paulo. 1988 – 43ª Bienal de Veneza, Itália. 1989 – 3ª Bienal de Havana, Cuba; Salão de Arte Contemporânea de Pernambuco/ Edição 1989, Recife, PE (prêmio Wellington Virgolino) 1990 – Projeto Canudos, TCA (Salvador) e Açude de Cocorobó, BA (prêmio Concorrência Fiat 1990). 1991 – Arte – O Eterno Reciclar, Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal, Brasília, DF. 1994 – 1º Salão MAM-BA de Artes Plásticas, Museu de Arte Moderna da Bahia, Salvador, BA. 1996 – Pintura e Escultura do Nordeste do Brasil, Espaço Oikos, Lisboa, Portugal. 1998 – Tropicália 30 Anos, Museu de Arte Moderna da Bahia, Salvador, BA; Bahia à Paris – Arts Plastiques d'aujourd'hui, Galerie Debret, Paris, França. 1999 – Projeto Terra, Université Paris 8, França. 2002 – Histórias do Sertão, MABEU, Belém, PA; Arte Bahia 2002, Museu de Arte Moderna da Bahia, Salvador, BA. 2003 – Sertão: Fantasias e Histórias, Museu Casa do Sertão, Feira de Santana, BA. 2004 – Projeto Cultural ArteSofitel, Sofitel Costa do Sauípe, BA. 2005 – O Que é Que a Gravura Tem?, Galeria Cañizares, Salvador, BA; 14 Fragmentos Contemporâneos II, Museu de Arte Moderna da Bahia, Salvador, BA/ Galeria 57, Leiria, Portugal; Panorama da Arte Baiana, Galeria Solar do Ferrão, Salvador, BA; Sem Fronteiras, Galeria Álvaro Santos, Aracaju, SE; VI Mercado Cultural: Artes Visuais, Centro Cultural da Caixa, Salvador, BA; As Portas do Mundo, Palácio D. Manuel, Évora, Portugal. 2006 – As 14 Obras da Misericórdia, Museu da Misericórdia, Salvador, BA. 2007 – Cenas Brasileiras, Caixa Cultural Salvador, Salvador, BA/ Cenas Brasileiras, Galeria D. Pedro II, Caixa Cultural São Paulo, São Paulo, SP. 2008 – Paisagem Nordestina, Centro Cultural Correios, Salvador, BA.